quinta-feira, 18 de março de 2010

Sobre os cinco sentidos

Pt. 1 - Visão

Por causa da forte chuva que caía naquela madrugada, tive que acabar com meus últimos centavos pegando um táxi. Um repentino mau-humor tomou conta de mim, não saberia dizer se mais pela falha nos meus planos de passar a noite vagando pelas ruas, tentando arrumar o juízo em forma de ser humano para me salvar, se pela falta de responsabilidade ou de uma Stella Artois. Desliguei o celular e esperava que as pessoas pensassem que eu estava tão perdida quanto às chamadas que faziam para mim. Na realidade, eu não estava...Sabia exatamente onde eu queria chegar, o problema era como chegar. Perguntei ao taxista, um homem rude e sem feições, se havia formas de pegar uma rota mais econômica ou até que ponto eu gastaria para chegar ao mais próximo do inferno. Ele me encarou pelo retrovisor e vi um brilho ameaçador nos seus olhos.
"Por que não me disse antes que não tinha para onde ir, menina?"
Mandei parar ali mesmo. O perigo era iminente, e eu não estava afim de brincar de Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau. Melhor seria ficar no bosque, correndo involuntariamente o risco de encontrar monstros piores.
Andei sem saber bem pra onde, deixando minhas pernas me levarem, por um bom tempo. Elas pareciam saber onde ir. Fui contando os blocos de cimento pelo caminho, tentando regular as passadas e não parecer tão fora de mim. Mas não adiantou. Quando dei por mim, estava no mesmo lugar, com a respiração ofegante, sem forças pra continuar. Estava às portas da casa dele, e em meio a um silêncio sepulcral, pude até mesmo ouvir seu coração bater. 
Certamente o meu pode ser ouvido também, pois como se os dois batessem em um mesmo ritmo inflexível, ele apareceu à janela. Os cabelos grandes bagunçados, um sorriso brincando em seus lábios, a pergunta de sempre fluindo pelos olhos
"Por que você voltou?"
Eu disse que não era nada. Era só pra ver se eu saberia como voltar, se caso um dia ele precisasse de mim. Devia estar em um estado deplorável, pois ele abriu a porta e as mãos que me agarraram eram armas prontas para a destruição total. E se eu estivesse bem, aquilo jamais aconteceria.
Suas mãos me levaram para dentro, eu passei entre as paredes olhando tudo como se não estivesse visto aquele lugar muitas e muitas vezes. A vez anterior, e a anterior da anterior, eu tinha jurado que eram as últimas. Como uma luz fraca no meio da minha escuridão interior, reuni forças pra cumprir meu juramento e me virei para ir embora para sempre. Ele me segurou com o olhar, sabia perfeitamente usá-lo contra mim, sabia exatamente onde era a chave para os meus segredos...Fui jogada contra a parede, o celular caiu no chão e se espatifou. Eu estava me perdendo, finalmente.
Ao bater com a cabeça, tudo ficou ainda mais turvo do que já estava, e tudo que eu conseguia ver eram imagens distorcidas, que se confundiam com o que eu já tinha feito e com o que eu estava prestes a fazer. Sabia que minhas roupas estavam sendo rasgadas pouco a pouco, que naquele momento nada poderia ser mais prazeroso que isso para ele, tinha consciência que ele sussurrava em meu ouvido, sentia suas mãos apertando meus seios e um arrepio de desespero percorreu-me a espinha como um pavio em chamas. Era sempre uma batalha perdida, eu me deixaria invadir completamente, vestida apenas com minha máscara da fraqueza.
Fechei os olhos. Vi sua boca percorrendo meu corpo em todos os lugares, como se não os tivesse explorado o bastante. Lá fora, nem mesmo os postes de luz estavam acesos. O mundo queria me deixar cega perante minha própria perdição, se para me poupar ou para me castigar...não sei.
"Você é tão linda, você é tão linda..Eu poderia ficar aqui, te sentindo, para sempre..."
Quantas vezes ele iria repetir?
"Mas você nem mesmo me enxerga."
"Eu estou aqui com você, você está aqui comigo. Isso basta."
Então, aquela noite eu era sua. Não, ele nem mesmo me enxergava. Nós sequer falávamos a mesma língua. Eu queria sair, sumir, me transformar em pó entre seus braços, e ele dizia que eu queria ficar. Tentando me convencer a acreditar...Me apertou ainda mais, e eu senti, como se um tiro tivesse atingido o cérebro, um apagão fulminante na minha consciência, minhas sinapses queimando terrivelmente e nada mais ser processado, apenas um desejo maníaco de possuí-lo até a alma. Não precisava de muito para me despertar os instintos mais primitivos e selvagens, era apenas provar um pouco de dor que o efeito era instantâneo. A dor.
Como se os papéis estivessem invertidos, peguei sua mão e a conduzi do começo ao fim. Pude até senti-lo tremer ligeiramente. Levei-a até entre minhas pernas, e o que ouvi era uma voz que até então não estava tão exasperada:
"Ei, é você mesma?"
Medroso.
"Talvez. Quem você acha?"
"Mas..o que você está fazendo?" 
Sublinhe a palavra você. Aquilo realmente estava ficando bom. Pela primeira vez, era eu quem estava no comando do jogo.
"Nada. Apenas tentando descobrir a graça de ter seu dedo em meu clitóris. Nada de estranho"
"Nossa. Por que não me disse que estava olhando? Porque não me avisou que não estava com medo?"
"Mas eu não estou com medo. Isso sim é estranho. "
Fazia movimentos aleatórios enquanto dizia. Se não soubesse como brincar, talvez teria um orgasmo ali mesmo.
"Você está me vendo agora?"
"Não. No escuro eu enxergo melhor."

Um comentário:

  1. O outro comentário foi apagado, na escuridão tudo se perde mesmo. Prefiro não mais comentar.

    Eu.

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